São dias estranhos, estes que tenho vivido. Dias de dor, mas também de tomadas de decisões muito pragmáticas. Não me parece verdade ter escolhido um caixão ou flores para o funeral. Menos ainda ter ido à morgue fazer o reconhecimento daquele corpo tão amado, e de repente tão frio, tão vazio de tudo o que torna um corpo vivo. Tive de fazer de "mestre de cerimónias". Ganhei, de certeza, um ror de cabelos brancos. Envelheci um pouco mais.
O que ainda não fiz, verdadeiramente, foi chorar pelo meu pai. Se calhar, vim a fazê-lo ao longo dos últimos 9 anos... e agora consigo encarar a sua morte, mais do que como uma perda, como uma libertação. O rosto tranquilo, pacífico, quase rejuvenescido com que adormeceu para sempre ajuda-me. Dá-me a certeza de que, finalmente, está em paz, de novo ele próprio, livre do corpo doente que lhe aprisionava a alma.
E agora é tempo de outras decisões pragmáticas, de desfazer a casa do meu pai. Nessa tarefa ingente (por causa, sobretudo, dos milhares de livros que deixou) têm passado os últimos dias. Amanhã (hoje, aliás, já passa da meia-noite) vêm homens de uma empresa fazer as mudanças. A minha casa vai ficar irreconhecível. Vale-me não ser a casa em que moro habitualmente, e sim a outra, onde só esporadicamente estou desde que me casei, mas que mantenho. A casa do meu pai vai-se transplantar para aqui, e na minha sala vou passar a ter os móveis dos meus avós, e um outro quarto será ocupado pelo escritório do meu pai. Vai passar a haver mais fantasmas nesta casa. Fantasmas feitos, sobretudo, de objectos, cheiros, sons que trazem recordações. Não são fantasmas indesejados. São o que faz de mim quem sou; mas nem por isso deixam de poder entristecer-me.
Obrigada a quantos, em comentários ou por outra via, me expressaram os sentimentos. Consola sentir que a nossa tristeza toca a outrem, que não estamos a vivê-la sozinhos . Afinal, esta é uma tristeza que um dia cabe a todos, pois todos perdemos entes queridos e, pela lei da natureza, são os filhos que vêem os pais partir.
Eu, de alguma forma, voltando ao que acima disse, e por mais paradoxal que possa parecer, não me limitei a perder o meu pai; de algum modo, recuperei-o. Não é o seu rosto doente que vejo agora, mas a sua cara feliz pegando na minha filha recém-nascida, como se vê na foto que tenho aqui ao lado; ou noutra, que fui buscar ao meu álbum de estudante, tirada no dia da bênção das pastas, em que o meu pai sorri com um ar muito orgulhoso por a filha estar a terminar o seu curso. Antes, com ele doente a mostrar-me, constantemente, a realidade deste duro e prolongado final de vida, não conseguia recordar as suas feições saudáveis. Agora, são elas que me preenchem as lembranças.
O que ainda não fiz, verdadeiramente, foi chorar pelo meu pai. Se calhar, vim a fazê-lo ao longo dos últimos 9 anos... e agora consigo encarar a sua morte, mais do que como uma perda, como uma libertação. O rosto tranquilo, pacífico, quase rejuvenescido com que adormeceu para sempre ajuda-me. Dá-me a certeza de que, finalmente, está em paz, de novo ele próprio, livre do corpo doente que lhe aprisionava a alma.
E agora é tempo de outras decisões pragmáticas, de desfazer a casa do meu pai. Nessa tarefa ingente (por causa, sobretudo, dos milhares de livros que deixou) têm passado os últimos dias. Amanhã (hoje, aliás, já passa da meia-noite) vêm homens de uma empresa fazer as mudanças. A minha casa vai ficar irreconhecível. Vale-me não ser a casa em que moro habitualmente, e sim a outra, onde só esporadicamente estou desde que me casei, mas que mantenho. A casa do meu pai vai-se transplantar para aqui, e na minha sala vou passar a ter os móveis dos meus avós, e um outro quarto será ocupado pelo escritório do meu pai. Vai passar a haver mais fantasmas nesta casa. Fantasmas feitos, sobretudo, de objectos, cheiros, sons que trazem recordações. Não são fantasmas indesejados. São o que faz de mim quem sou; mas nem por isso deixam de poder entristecer-me.
Obrigada a quantos, em comentários ou por outra via, me expressaram os sentimentos. Consola sentir que a nossa tristeza toca a outrem, que não estamos a vivê-la sozinhos . Afinal, esta é uma tristeza que um dia cabe a todos, pois todos perdemos entes queridos e, pela lei da natureza, são os filhos que vêem os pais partir.
Eu, de alguma forma, voltando ao que acima disse, e por mais paradoxal que possa parecer, não me limitei a perder o meu pai; de algum modo, recuperei-o. Não é o seu rosto doente que vejo agora, mas a sua cara feliz pegando na minha filha recém-nascida, como se vê na foto que tenho aqui ao lado; ou noutra, que fui buscar ao meu álbum de estudante, tirada no dia da bênção das pastas, em que o meu pai sorri com um ar muito orgulhoso por a filha estar a terminar o seu curso. Antes, com ele doente a mostrar-me, constantemente, a realidade deste duro e prolongado final de vida, não conseguia recordar as suas feições saudáveis. Agora, são elas que me preenchem as lembranças.
2 comentários:
O meu abraço de sempre.
Vj
Outro igualzinho para ti :)
Enviar um comentário