segunda-feira, junho 29, 2009

Os dias seguintes

São dias estranhos, estes que tenho vivido. Dias de dor, mas também de tomadas de decisões muito pragmáticas. Não me parece verdade ter escolhido um caixão ou flores para o funeral. Menos ainda ter ido à morgue fazer o reconhecimento daquele corpo tão amado, e de repente tão frio, tão vazio de tudo o que torna um corpo vivo. Tive de fazer de "mestre de cerimónias". Ganhei, de certeza, um ror de cabelos brancos. Envelheci um pouco mais.
O que ainda não fiz, verdadeiramente, foi chorar pelo meu pai. Se calhar, vim a fazê-lo ao longo dos últimos 9 anos... e agora consigo encarar a sua morte, mais do que como uma perda, como uma libertação. O rosto tranquilo, pacífico, quase rejuvenescido com que adormeceu para sempre ajuda-me. Dá-me a certeza de que, finalmente, está em paz, de novo ele próprio, livre do corpo doente que lhe aprisionava a alma.
E agora é tempo de outras decisões pragmáticas, de desfazer a casa do meu pai. Nessa tarefa ingente (por causa, sobretudo, dos milhares de livros que deixou) têm passado os últimos dias. Amanhã (hoje, aliás, já passa da meia-noite) vêm homens de uma empresa fazer as mudanças. A minha casa vai ficar irreconhecível. Vale-me não ser a casa em que moro habitualmente, e sim a outra, onde só esporadicamente estou desde que me casei, mas que mantenho. A casa do meu pai vai-se transplantar para aqui, e na minha sala vou passar a ter os móveis dos meus avós, e um outro quarto será ocupado pelo escritório do meu pai. Vai passar a haver mais fantasmas nesta casa. Fantasmas feitos, sobretudo, de objectos, cheiros, sons que trazem recordações. Não são fantasmas indesejados. São o que faz de mim quem sou; mas nem por isso deixam de poder entristecer-me.
Obrigada a quantos, em comentários ou por outra via, me expressaram os sentimentos. Consola sentir que a nossa tristeza toca a outrem, que não estamos a vivê-la sozinhos . Afinal, esta é uma tristeza que um dia cabe a todos, pois todos perdemos entes queridos e, pela lei da natureza, são os filhos que vêem os pais partir.
Eu, de alguma forma, voltando ao que acima disse, e por mais paradoxal que possa parecer, não me limitei a perder o meu pai; de algum modo, recuperei-o. Não é o seu rosto doente que vejo agora, mas a sua cara feliz pegando na minha filha recém-nascida, como se vê na foto que tenho aqui ao lado; ou noutra, que fui buscar ao meu álbum de estudante, tirada no dia da bênção das pastas, em que o meu pai sorri com um ar muito orgulhoso por a filha estar a terminar o seu curso. Antes, com ele doente a mostrar-me, constantemente, a realidade deste duro e prolongado final de vida, não conseguia recordar as suas feições saudáveis. Agora, são elas que me preenchem as lembranças.

2 comentários:

Anónimo disse...

O meu abraço de sempre.

Vj

Zu disse...

Outro igualzinho para ti :)