quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Não

No dia 11, voto “não” no referendo.
Não, não considero o aborto um direito da mulher.
Não, não quero que o aborto seja livre a pedido da mulher, sem razões ponderosas que o justifiquem e que já estão, a meu ver, contempladas na actual lei.
Não, não percebo o limite das 10 semanas previstas na pergunta que nos é colocada no referendo. 10 semanas desde a data da última menstruação? 10 semanas de gravidez efectiva? Porquê 10 semanas, em qualquer dos casos? Ainda não consegui encontrar razões científicas que justifiquem a escolha desse prazo. Aliás, no anterior referendo não se pugnava por um limite de 12 semanas? Porquê o recuo para menos duas semanas?
Não, não percebo a lógica de considerar que o “sim” à pergunta do referendo resolverá o problema do aborto clandestino em Portugal. Às 11 semanas um aborto continuará a constituir um crime pelo qual a mulher deverá ser punida: desejam os apoiantes do “sim” que a mulher que o faça vá para a prisão? Diz a pergunta que ela só poderá abortar em estabelecimento de saúde autorizado – e se o fizer no vão da escada, ainda que dentro do prazo das 10 semanas, irá a julgamento e será presa e isso será aplaudido?
Não, não sou insensível aos problemas sociais que o aborto envolve. Sou até por demais sensível ao que defende, por exemplo, a Drª Maria de Belém Roseira e ao argumento de que só trazendo o aborto para a legalidade é que se pode atacá-lo, criando um sistema de apoio às mulheres que passará por esclarecimentos, consultas, etc. Mas não sei se um tal sistema será implementado em Portugal (o governo faz contas sobre quanto custariam os abortos e quantos se poderiam fazer, mas não abre a boca sobre o que pretende verdadeiramente implementar caso vença o “sim”).
Não, não percebo porque é que, com a actual lei (tão parecida com a espanhola) não existe um tipo de apoio à mulher grávida em situação de tal forma complicada que não veja como pode levar em frente a gravidez – não se enquadrará isso dentro do que na lei está previsto de danos para a saúde física ou psíquica da mulher? Não será possível melhorar a lei existente, melhorar a sua aplicação, sem se liberalizar o aborto a pedido como agora se pretende?
Resumindo e concluindo: não, não consigo olhar para a questão do aborto apenas do lado da mulher que não deseja a gravidez. Vejo também o das crianças que não chegarão a nascer e que são vida humana, única e irrepetível. E está dentro de mim, escrito a letras indeléveis, “Não matarás”.
Perguntam-me no referendo: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?” Eu, em consciência (e depois de muito pensar, repensar, ouvir, discutir, pesar todos os argumentos), só posso responder que não, não concordo.

17 comentários:

A Tendinha disse...

E eu concordo contigo.
Pensei algo sobre o assunto, mas não me preocupando muito com ele, já que como emigrante não posso votar no referendo (não entendo porquê!)

Anónimo disse...

Aos Senhores do Não!
Meus Senhores,
Sobre o tema que escrevem, a Interrupção Voluntária da Gravidez, por ser tão dramático, deveriam optar por uma argumentação, menos demagógica e sensacionalista, ou seja, mais séria!
Portanto o mínimo que vos peço é para que sejamos sérios!
Vamos a factos:
1º- O Aborto clandestino existe, não podem ignorar esse facto!
2º- Segundo dados da Associação para o Planeamento da Família, em 2006, fizeram-se, 23 000 abortos clandestinos em Portugal;
3º-Nos últimos 10 anos, 100 mulheres morreram vitimas de aborto clandestino;
4º- A lei actual é criminalizadora, poderá conduzir a uma pena de prisão de até 3 anos, sujeitando as mulheres que recorre à IVG, à humilhação pública, estigmatizando-as e devassando as suas vidas privadas.
O que se está a referendar é a seguinte questão: Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?. Nem mais nem menos!
Há oito anos estávamos nós a debater esta mesma questão, quando os senhores vieram defender o mesmo não. Um dos argumentos utilizados era afirmar que lei era perfeitamente aceitável para resolver a questão do aborto clandestino.
Ora, oito anos passados verificamos que tal não é verdade. Segundo as estimativas em Portugal realiza-se cerca de 23 000 abortos clandestinos.
Cerca de 23 000 mil mulheres, repito, recorrem ao aborto clandestino, pondo a sua vida em graves perigos físicos e psíquicos.
Logo a lei actual é ineficaz e não dá resposta ao problema do aborto clandestino.
Assim sendo, das duas uma, ou fazemos como os senhores, metemos a cabeça na areia como as avestruzes, compactuando com esta realidade ou temos capacidade mental suficiente para verificar que é necessário mudar a lei.
Em 1995 a Conferência Internacional das Nações Unidas sobre a População e Desenvolvimento deliberou que o aborto clandestino é um grave problema de saúde pública.
Um ano mais tarde, a IV Conferência Internacional da Mulher declara: “o aborto em condições precárias ameaça a vida de um grande número de mulheres, representando um perigo grave para a saúde pública e são, primeiramente, as mulheres mais pobres e mais jovens que maiores riscos correm”.
A União Europeia avançou também com recomendações aos seus estados membros: “O Parlamento incentiva os Estados-Membros e os países candidatos à adesão a pugnarem pela implementação de uma política de saúde e social que permita uma diminuição do recurso ao aborto e deseja que esta prática seja legalizada, segura e acessível a todos”. Os países da União Europeia com legislação mais restrita são Malta, Irlanda, Polónia e Portugal.
Em 2002 o organismo da ONU,CEDAW (Comité das Nações para a Eliminação da Descriminação Contra as Mulheres) lançou um aviso ao governo português: “O Comité está preocupado com as leis de aborto restritivas em vigor em Portugal, em particular porque os abortos clandestinos têm sérios impactos negativos na saúde das mulheres “.
Sendo impossível assegurar a infalibilidade dos meios de contracepção, a possibilidade de interromper uma gravidez em condições de segurança e no quadro da legalidade, em estabelecimentos de saúde devidamente autorizados, é uma exigência de saúde pública.
Para além disso, permite acompanhar e integrar no sistema de planeamento familiar todos aqueles que não tiveram acesso à contracepção e a uma educação sexual informada e responsável, evitando a ocorrência futura de gravidezes indesejadas.
Esta é uma solução que conduziu a um menor número de abortos no caso dos países europeus que por ela optaram.
O facto de defender a despenalização do aborto (é isso que está em causa!) não significa que não seja pela vida.
A interrupção de uma gravidez não é desejável por ninguém, o recurso ao aborto não pode ser encarado como algo simplesmente leviano e fácil.
Em todas as mulheres que recorrem á IVG há um conflito interior enorme, um grave dilema moral. Pensar o contrário é não confiar nas mulheres, é achar que o aborto vai explodir como se banalizasse um novo método contraceptivo.
Não encontram uma única pessoa, que vote SIM (como eu!) que defenda o aborto como método contraceptivo. O que se pretende é dar condições e fazer um acompanhamento ás mulher que em último recurso recorrem á IVG para que tomem essa decisão me consciência.
A liberalização do aborto é o já existe: chama-se vão de escada, uma economia clandestina que desgraça mais do que ajuda.
O que se pretende é acabar com esta liberalização forçada, tornar clinicamente seguro um acto que não deve ser pago com a cadeia, como prevê a actual lei.
Por isso digo SIM a uma lei que respeite as convicções pessoais, éticas, religiosas e filosóficas de cada um.
Digo SIM a uma lei que parta do princípio de as mulheres têm capacidade para decidir em consciência. Haverá sempre mulheres que optarão por levar até ao fim uma gravidez que não planearam; e haverá sempre, também, outras que optarão, em consciência, por não o fazer.
Digo SIM à vida – em toda sua plenitude.
Deixemos de ser hipócritas, preocupemo-nos com os que sofrem nos dias de hoje os reflexos de uma sociedade intolerante, egoísta e hipócrita!

SIM, pela saúde mas mulheres!!!
SIM, por uma maternidade e paternidade conscientes!!!
SIM, pelo planeamento familiar e pela educação sexual!!!
SIM, PELA DESPENALIZAÇÃO DA INTERUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ!!!

Joaquim Baptista disse...

Cara Zu desta não concordo contigo. Pontos de vista, é assim que funciona a democracia

Rita Quintela disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rita Quintela disse...

Pela primeira vez leio um excelente argumento a favor do não!

Zu disse...

Obrigada pelos vossos comentários. Este não é propriamente o texto que eu gostaria de ter escrito sobre um assunto tão delicado, mas foi o que tive tempo para escrever. E corresponde ao que verdadeiramente sinto e penso sobre o aborto.
Não é campanha, que não a faço nem me revejo na maior parte do que se diz do lado do "Não"; é apenas um post escrito por mim no meu blog. Por isso, Hugo, não gostei do seu comentário: não considero nenhuma das minhas dúvidas demagógica ou pouco séria e não ando pelos blogs alheios a fazer campanha a favor do "não". Agradeço, pois, que não deixe aqui "panfletos".

Viajante disse...

Vá lá Zu, então... Quem anda à chuva molha-se, não é assim que diz o ditado?

O comentário do Hugo pode ser um pouco "extenso", concordo, mas não deixa de estar muito bem fundamentado. Pluralidade é isso. Uns SIM outros NÃO

Eu voto SIM!

Zu disse...

Eu sei que votas sim, Eu sou. Cá em casa mora mais uma pessoa que vota sim. Eu entendo o que o leva a votar dessa forma, ele entende as minhas razões.
Mas pluralidade não é usar as minhas caixas de comentários para deixar panfletos. :-)

Anónimo disse...

Eu deixo-te é um beijo, Zu.
E mais nada, que também abomino panfletos. ;)

Anónimo disse...

Querida Zu (que estranho é, para mim, tratar-te assim) e há quanto tempo não nos falamos...
Quero dar-te os parabéns pelo teu novo blog.
Fico contente por me ter apercebido que estás feliz.
No que toca ao teu post, só poderia estar de acordo contigo, claro.
O SIM venceu... mas a VIDA perdeu.
Eu sou a Nucha, e agora escrevo lá para as bandas do ORION.
Beijinhos para ti e para a tua menina linda.

Zu disse...

Outro beijo para ti, Padrinho :)

Helena, há quanto tempo! Tenho de te ligar e contar as novidades. Um beijo com saudades, das duas :)

Acilina disse...

O que é que define um panfleto?
Ser longo?
Ser uma opinião firme, consciente e assumida?
Ser claro, objectivo e perfeitamente inteligível?

Alguma destas características é condenável?

Zu disse...

Não, Homoclinica: no presente caso, é ser um texto dirigido "aos senhores do não", e não ser um comentário a um post meu; ora esta é uma caixa de comentários, e não um espaço de propaganda. Fosse defensor do sim, do não ou das focas em perigo, eu não iria gostar da mesma forma desse tipo de atitude.

Anónimo disse...

Carminho & Sandra
(uma história, sem comentários, escrita por Rita Ferro Rodrigues)



Carminho senta-se nos bancos almofadados do BMW da mãe. Chove lá fora. Encosta o nariz ao vidro para disfarçar duas enormes lágrimas que lhe rolam pela face. A mãe conduz o carro e aperta-lhe ternamente a mão. Há muito trânsito na Lapa ao fim da tarde. A mãe tem um olhar triste e vago mas aperta com força a mão da filha de 18 anos. Estão juntas. A caminho de Espanha.

Sandra senta-se no banco côr-de-laranja do autocarro 22 que sai de Alcântara. Chove lá fora. Encosta o nariz ao vidro para disfarçar duas enormes lágrimas que lhe rolam pela face. A mãe está sentada ao lado dela. Encosta o guarda-chuva aos pés gelados e aperta-lhe ternamente a mão. Há muito trânsito em Alcântara ao fim da tarde. A mãe tem um olhar triste e vago mas aperta com força a mão da filha de 18 anos. Estão juntas. A caminho de casa de Uma Senhora.

O BMW e o autocarro 22 cruzam-se a subir a Avenida Infante Santo.

Carminho despe-se a tremer sem nunca conseguir estancar o choro. Veste uma bata verde. Deita-se numa marquesa. É atendida por uma médica que lhe entoa palavras doces ao ouvido, enquanto lhe afaga o cabelo. Carminho sente-se a adormecer depois de respirar mais fundo o cheiro que a máscara exala. Chora enquanto dorme.

Sandra não se despe e treme muito sem conseguir estancar o choro. Nervosa, brinca com as tranças que a mãe lhe fez de manhã na tentativa de lhe recuperar a infância. A Senhora chega. A mãe entrega um envelope à Senhora. A Senhora abre-o e resmunga qualquer coisa. É altura de beber um liquido verde de sabor muito ácido. O copo está sujo, pensa Sandra. Sente–se doente e sabe que vai adormecer. Chora enquanto dorme.

Carminho acorda do seu sono induzido. Tem a mãe e a médica ao seu lado. Não sente dores no corpo mas as lágrimas não param de lhe correr cara abaixo. Sai da clínica de rosto destapado. Sabe–lhe bem o ar fresco da manhã. É tempo de regressar a casa. Quando a placa da União Europeia surge na estrada a dizer PORTUGAL, Carminho chora convulsivamente.

Sandra não acorda. E não acorda . E não acorda. A mãe geme baixinho desesperada ao seu lado. Pede à Senhora para chamar uma ambulância. A Senhora não deixa, ponha – se daqui para fora com a miúda, há uma cabine lá em baixo, livre–se de dizer a alguém que eu existo.
A mãe arrasta a Sandra inanimada escada a baixo. Um vizinho, cansado, chama o 112 e a polícia.
Sandra acorda no quarto 122 dias depois. As lágrimas cara abaixo. Não poderás ter mais filhos, Sandra, disse–lhe uma médica, emocionada.
Sai do hospital de cara tapada, coberta por um lenço. Não sente o ar fresco da manhã. No bolso junto ao útero magoado, a intimação para se apresentar a um tribunal do seu país: Portugal.

Zu disse...

Ó Anabela, se tivesse lido os comentários anteriores decerto não tinha feito mais um copy&paste de um texto que eu já li, ainda por cima, em dúzias de sítios. Isso não é um comentário.

Anónimo disse...

Mas nem por isso deixa de ser verdade que o texto da Rita Ferro Rodrigues ilustra bem o que defendem os defensores do "Não", como a Zu. Apregoam que defendem a vida, mas na prática estão a promover exactamente o contrário. Pois aquela mulher que teve de fazer uma IVG num vão de escada ficou impossibilitada de engravidar para o resto da vida e teve a própria vida em risco, enquanto que se tivesse acesso a serviços médicos legais isso não aconteceria.

Quem não quer ver isto, limita-se a meter a cabeça na areia.
É muito cómodo!
Em nome dum princípio indiscutível, a vida, recusam-se a ver a realidade: não é por a lei penalizar a mulher que faz uma IVG, que essas IVG deixam de existir.
Ainda por cima, em muitos casos, não é por vontade da mulher que é feita uma IVG. Frequentemente, são os pais ou os companheiros que as obrigam a isso. Mas são elas as únicas penalizadas pela lei.
É muito injusto!

Note-se que eu sou contra o aborto!
Muito contra! Repugna-me a ideia. Nunca fiz! Pelo contrário, tentei engravidar sem o conseguir. Adoro crianças e bebés. Limito-me a brincar com os sobrinhos e os netos. Apetece-me dizer: dêem-me todos os que não quiserem.

Mas, nada disto me impede de ver a realidade e de ver o que é melhor para defender a saúde das outras mulheres. E fazer isto, sem falsos moralismos, sem ideias abstractas e irrealistas, mas com os pés na terra, partindo dos factos que existem, quer queiramos, quer não.

Será que isto é um comentário?

Zu disse...

Claro que é um comentário, Anabela, e obrigada por o ter escrito. Mas eu não vou discutir consigo: não escrevi este post para discutir ou argumentar, apenas para dizer o que penso; tipo declaração de voto quase à boca das urnas, alinhando as ideias depois de muito pensar, ler e ouvir durante a campanha para o referendo. Só repito o que disse acima: por muito sensível que seja a todos os problemas sociais, às questões de saúde das mulheres que abortam, aos dramas de quem opta pelo aborto, não consigo esquecer que há outra vida em jogo para além da da mulher grávida. E isto, pode crer, não é uma posição cómoda.